Ontem decidi ver, refastelada no meu sofá, o concerto da famosa "diva" pop Amy Winehouse, em directo, do Rock in Rio pela Sic Radical. Tive curiosidade. Havia dúvidas se ela viria. Depois de muito suspense e quase desespero dos 90.000 fans presentes ao vivo, de muito anúncio por parte da locutora de serviço: «ela já saiu do camarim e dirige-se para o palco», ou, cinco minutos depois, «ela voltou a fechar-se no camarim, exigindo que desimpedissem por completo o corredor de acesso ao palco», a que se seguiu um enorme período sem notícias, voltando a criar-se novo suspense, desta vez mais esmorecido que os anteriores. Isto durante aproximadamente 35 minutos. Quando, arrancada aos seus torpores ou lá o que era, ela decide aparecer, não dava para acreditar - foi entrando no palco, cambaleante, de copo na mão, e, quando conseguiu ouvir-se-lhe algum som, foi um murmúrio rouco, informe, um balbuciar incompreensível, um desatino a tentar segurar no microfone, até que um dos membros da banda que a acompanhava lho tirou da mão e o colocou no respectivo suporte. Aí começou o martírio. Quase sem voz, entradas atrasadas, desafinação, tentou tocar uma guitarra que alguém lhe retirou, com óbvios receios, continuou a bebericar sempre que havia uma pausa, comeu uma tablete de qualquer coisa, enquanto "cantava", sempre a cambalear, caiu, levantou-se e disse: «se isto tivesse acontecido a Lenny Kravitz, ele teria ficado envergonhado, mas eu não tenho vergonha». Enfim, isto é apenas uma pálida descrição do que se passou neste concerto. E no entanto, não é que ela conseguiu, ainda assim, dar um espectáculo magnetizante, em termos musicais ? Quase afónica e embriagada ou drogada (ou ambas as coisas), Amy teve um suporte musical excelente, instrumental e vocal (a banda e o coro), que a foi literalmente amparando, conseguindo que ela cantasse, mesmo com as limitações descritas. Um espectáculo inacreditável. Acabou por pedir desculpa ao público e dizer que devia ter cancelado o concerto. Mas o público desculpou-a. Pois se até teve dúvidas que ela aparecesse...E ele queria muito vê-la. 90.000 pessoas em silêncio, suspensas do que se estava a passar, de tal modo que ela lhes pediu, por mais de uma vez, «make some noise», e o público correspondeu, sempre positivamente. Não há dúvida que ela tem qualquer coisa - a sua imagem, a voz, o estilo, tudo a lembrar música anos 60/70. Qualquer coisa de Janis Joplis, de Dusty Springfield, de Billie Holiday. Sim, se abstrairmos da triste realidade, ela poderia e deveria ter uma carreira brilhante. Penso que, apesar de tudo e por causa de, ela já ficou registada em lugar destacado na história da pop.
3 comentários:
Olá mana!
Apesar de apenas parecer querer cumprir uma efémera missão em vida, parece que, afinal, sempre valeu a pena ela ter nascido. Ela sabe o que quer. Não se trata de um corpo mutilado pelo vício, mas sim, de uma mente perseverante. É respeitável.Brava!
Gostei do artigo e o blog está muito bom.
Beijinhos
Lena
Obrigada por teres deixado aqui a tua preciosa opinião.
Isto dava "pano para mangas". Em cada percurso de vida há momentos em que nos é dado escolher o rumo que lhe queremos dar. Ser-se figura pública tem normalmente grandes custos para a saúde mental. Não deve ser nada fácil. Obter-se o equilíbrio emocional e afectivo parece-me estar no cerne de uma vida "saudável". Mas isto é dizer quase nada sobre o assunto. Por exemplo, a dependência de substâncias que alteram o normal funcionamento do corpo humano é semente que só medra nalguns. Porque estão mais frágeis, porque são mais frágeis, ou simplesmente porque não conseguem viver "a frio"? Isto é muito complexo.
Bjs., mana.
As mulheres, creio, mereciam mais.
E por falar em Billie Holiday, ela sim teve motivos de sobra para se entregar às drogas: negra, pobre, prostituída e artista num EUA dos anos 1940. Só com muita heroína para prosseguir.
Agora, essa branquinha sem voz, sei não. As mulheres de hoje, tenho certeza, merecem mais que isso!
Grande abraço, JL.
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