Já aqui coloquei um vídeo em tempos sobre Billie Holiday, ou Eleanora Fagan, mas sem lhe adicionar grandes palavras, porque a emoção de a ouvir deixa-me, quase sempre, meio "apanhada do clima". Como disse Boris Vian: "On aime ou n'aime pas Billie Holiday, mais quand on l'aime, c'est a l'a façon d'un poison". Mas, depois de ler sobre ela na revista francesa Jazzman (nº.153) do mês passado, de onde extraí esta citação, vou mesmo dedicar-lhe mais um apontamento. Destas leituras recentes fiquei a saber umas coisas mais que outras leituras, como por exemplo, a da sua autobiografia Lady Sings the Blues, me não tinham transmitido. Fiquei a saber que os seus pais nunca se casaram, ao contrário do que ela afirmava, e que, quando ela nasceu, a sua mãe, Sadie Fagan, não tinha 13 anos nem o seu pai, Clarence Holiday, 16, mas sim 19 anos, ela e 17, ele. Não é que isso tenha muita importância, apenas que andei a aldrabar algumas pessoas sem o saber. Inclusivé, estava convencida de que existia uma grande cumplicidade entre mãe e filha, o que também parece não ser totalmente verdade. Ao que parece, muito da infelicidade de Billie foi consequência da frieza e desapego com que a mãe a tratou enquanto criança. Vindo depois a mostrar-se possessiva, demasiado presente e negligente, tornou-se, apesar de tudo, na única pessoa que verdadeiramente contava na sua vida (sic Jazzman). O tema que compôs inspirado em sua mãe, God Bless the Child , reflecte, afinal, essa noção de abandono que a acompanhou até ao fim da vida.
Não vou traduzir aqui o artigo que a dita revista francesa lhe dedicou, mas vale a pena aceder à sua leitura. Está muito bem elaborado e acrescenta algumas coisas que interessam a quem gosta de ir um pouco além na percepção do que foi esta extraordinária cantora. Porque aquilo de que gostamos acaba por ser o produto final de uma vida de abusos, sofrimento, vício, onde a felicidade parecia só comparecer em palco, quando cantava para o seu público. Não sabia ler música, mas tinha um sentido rítmico e uma memória formidáveis. Faz em Julho deste ano 50 anos que morreu. Tinha apenas 44 anos e um passado de prostituição, droga, prisão e relações falhadas.
Esta homenagem da Jazzman está excelente e, repito, vale a pena lê-la para perceber como uma voz pode reflectir, não apenas um dom e técnica, mas toda uma vida que desceu aos mais profundos abismos para alcançar a eternidade.